MÍDIA, ESCOLA E LEITURA CRÍTICA DO MUNDO
GRAÇA CALDAS
A comunicação e a educação são duas coisas inteiramente interligadas que interferem diretamente na formação/deformação das pessoas, sejam elas crianças, jovens ou adultos, não há mais como negar a importância de pesquisas integradas entre esses dois campos de estudo para resultados mais eficazes nos procedimentos pedagógicos das escolas. Questões tais: Como se dá o processo de compreensão de conteúdos programáticos nas salas de aula em face da utilização cada vez mais frequente dos recursos midiáticos? Como lidar com o conhecimento formal, necessário e indispensável à formação dos alunos, quando são permeados/atravessados pela velocidade do mundo da notícia, pela transformação do real em virtual e pela dificuldade crescente de compreensão na leitura dos textos e, consequentemente, na leitura do mundo?
Para o processo de ler e compreender pesquisas recentes como o SAEB, ENEM e PISA, revelam o baixíssimo nível de compreensão, interpretação e reflexão dos alunos do Ensino Fundamental e Médio, aplicando-se também à universidade.
A incapacidade de leitura para além dos códigos lingüísticos dos alunos, sejam eles de escolas públicas ou privadas, tem sido objeto de reflexão dos educadores brasileiros para identificar as causas e encontrar caminhos para alteração desta realidade. Não são poucos os especialistas que apontam as fragilidades do sistema educacional do país, tais como: superficialidade, excesso de conteúdo e pouco cuidado com a linguagem.
Em que medida, porém, a dificuldade de interpretação dos fatos pode ser creditada aos problemas comuns na formação dos professores, à débil cultura dos alunos ou às não menos frágeis estruturas narrativas da mídia? Projetos como “Fome do Livro”, que pretendem modificar esta realidade, ampliando o acesso e a distribuição do livro no país, ainda têm um longo percurso pela frente, razão pela qual o papel da escola é ainda fundamental na formação de leitores.
Como superar este impasse? Nas sociedades modernas, em que o acesso à informação virou business, mercadoria preciosa e moeda de troca do capitalismo, o conhecimento, por sua vez, tornou-se cada vez mais exíguo e, por isso mesmo, fonte permanente de poder.
E o papel da mídia, principalmente os impressos: jornais e revistas, começaram a distribuir os encalhes de seus exemplares e a produzir versões direcionadas à sala de aula. Existem atualmente 48 programas ativos nas escolas, dos quais a grande maioria (18) está concentrada na Região Sudeste. O primeiro projeto é do jornal O Globo e surgiu em 1982. Mas foi na década de 1990 que se observou um crescimento contínuo de projetos similares, em vários pontos do país. Os objetivos das empresas de comunicação, de acordo com os resultados da pesquisa são principalmente: incentivar a leitura de jornais; incentivar outras leituras; contribuir para o exercício da cidadania e colaborar para a construção de um conhecimento mais amplo e multidisciplinar do aluno.
Como formar professores na leitura crítica da mídia para que os conteúdos noticiados pela imprensa sejam adequadamente interpretados e devidamente relativizados na construção do conhecimento?
Discutir as tensões, os conflitos, os problemas éticos que envolvem a construção da notícia na sua relação com o mercado não é tarefa menos importante para dar a real dimensão do processo de produção da mídia e das contradições inerentes a este.
Aprender sobre o mundo editado pela mídia, a ler além das aparências, a compreender a polifonia presente nos enunciados da narrativa jornalística, não é tarefa fácil, mas desejável para uma leitura crítica da mídia. É necessário reconhecer, portanto, que a linguagem é, por natureza, ideológica.
Como então formar professores para que o uso da mídia na sala de aula vá além de uma mera instrumentação de conteúdos e demonstração do processo de produção da notícia? Certamente, não se trata, apenas, de ensinar os professores a “lerem” os jornais, mas sobretudo de possibilitar a eles, num primeiro momento, uma leitura do mundo para melhor compreenderem, eles próprios, o poder da mídia e o papel ocupado pelos diferentes veículos no espaço público. O papel da mídia na escola precisa, inicialmente, desenvolver alguns saberes que passam pela percepção crítica das estratégias e dos padrões na linguagem jornalística, tais como ocultamento, fragmentação e inversão, que possibilitam a manipulação deliberada da informação.
Ao capacitar professores para a utilização da mídia na escola, é necessário compreender as armadilhas da linguagem com suas múltiplas potencialidades e limites; identificar as marcas discursivas pelos diferentes modos de dizer para uma leitura dialógica do mundo; examinar a escolha intencional ou não dos verbos introdutórios de opinião, da utilização dos operadores argumentativos e do dito e do não-dito; saber reconhecer que dizer não é sinônimo de afirmar, enfatizar ou garantir; compreender quando se utiliza ainda, já, mas ou só; entender o porquê do processo de edição da notícia e como este se opera.
Atualmente, como ocorre na maioria das cidades brasileiras, os projetos de mídia na escola são resultado de incursões das empresas de comunicação nas escolas, onde distribuem, gratuitamente, durante períodos de tempo distintos, exemplares de suas edições para os professores usarem com suas turmas. Nos anos de 1960, o educador brasileiro Paulo Freire, assim como Freinet, acreditava na prática pedagógica comprometida como forma de reduzir a evasão escolar e formar educandos críticos.
A grande diferença, dos projetos de mídia na escola conduzidos pelos grupos de comunicação e aqueles elaborados pelos próprios comunicadores ou educadores, é a forma como são elaborados e utilizados na sala de aula. Um exemplo é o projeto de “Educomunicação” coordenado pelo prof. Ismar Soares, da USP, incorporado por escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Além de ensinar a leitura crítica da mídia convencional, promove o aprendizado e o manuseio das ferramentas dos suportes midiáticos no processo de construção de notícias. Sabe-se, que a aquisição do conhecimento e a formação crítica de leitores não se dá pela leitura única de um veículo, mas justamente pela comparação entre eles.
Em contrapartida, a indústria cultural, com sua diversidade de produtos, suportes e formatos (cinema, teatro, música e mídia em geral), por fazer parte da construção do imaginário de alunos, professores, pais e sociedade, por fazer parte do universo cotidiano das pessoas, precisa ser incorporada ao processo de aprendizagem numa relação crítica, em que o aprender a pensar (Pedro Demo) seja parte integrante do aprender a aprender (Paulo Freire) para o aprender a fazer (Célestien Freinet).
Para interpretar o mundo a escola é um agente social fundamental, mas não único. Não podemos, portanto, abrir mão de discutir, na sala de aula, o fenômeno da mídia, especialmente a televisão, mas partir dela para a compreensão crítica do mundo. E estamos o tempo todo a nos perguntar qual é, hoje, o papel da escola, dos pais? Utilizar a mídia na escola é o primeiro passo para a leitura do mundo. Em contrapartida, é essencial que o exercício cotidiano no uso da mídia na sala de aula não se limite à leitura de jornais, revistas ou dos veículos eletrônicos. Para se ler o mundo a partir dos olhares dos outros, é fundamental que seus leitores aprendam antes a ler o mundo em que vivem, por meio da construção de suas próprias narrativas. Só assim será possível a construção do conhecimento, a transformação do educando em sujeito de sua própria história. A aquisição do pensamento crítico é resultado da inserção e percepção direta do aluno como agente mobilizador na sua realidade.
Joseli Pereira dos Santos
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